THE KING SAMO é a mais nova Série e trabalhos do Artista Celso Parubocz.
A Série recebeu este título por ter alguns símbolos que lembram Basquiat e sua
obra. A Série começou no início de 2019 e continuou até nossos dias. Fiz
questão de dar este nome em homenagem a este grande Artista americano que a
cada ano tem suas obras e sua história mais valorizados.
A herança do irreverente
Jean-Michel Basquiat
Jean-Michel Basquiat permanece
como um dos rostos da arte urbana mais redescobertos dos passados anos,
subsistindo uma aura de enfant
terrible, que se proliferou para lá das
paredes que, usualmente, povoava com as suas criações. A música, o cinema, e as
demais formas de expressão artística deixam ramificar o legado inestimável e
imensurável do artista que brilhou na cidade de Nova Iorque, com a literatura a
cimentar o seu legado na história da arte. Perante mensagens subversivas, e um
conteúdo rico em referências e em simbolismos de ampla percepção, os versos e
os gestos da criatividade humana conheceram um alvor diferente, de sangue mais
pulsante na identidade asseverada.
Nascido no ano de 1960, viu a sua
vida acabar em 1988, antes de fazer 28 anos, vítima da sua pior amiga de longa
data, a droga. Muitas das obras ficaram na exclusividade de muitos dos
colecionadores a quem o pintor vendeu os trabalhos, embora outras tantas
tenham-se tornando anónimas, por nunca terem chegado àqueles que pagaram por
elas. A juntar a isto, não havia pago impostos durante 3 anos, facto que pode
ter obstado à normal comercialização dessas. Não obstante, Basquiat nunca
deixou de ser um bastião daquilo que é a arte das profundezas das urbes,
nomeadamente das ruas.
Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat
De
origem haitiana, foi cedo que c
hegou
a Nova Iorque, onde se firmou como um dos principais manifestadores expressivos
dos sentimentos e pensamentos das classes menos favorecidas, tanto social como
financeiramente. O seu legado permanece enriquecido e reenquadrado em vários
documentários televisivos, para além de um filme dedicado à própria
personalidade do pintor. “Basquiat”, datado de 1996, foi realizado pelo também pintor
e neoexpressionista Julian Schnabel, e contou com diversas interpretações de relevo,
com Jeffrey Wright a representar Basquiat, David Bowie o
pintor Andy Warhol, para além de demais participações, como as
de Gary Oldman, Dennis
Hopper e de Christopher Walken. Em 2010, através da amiga do artista Tamra Davis,
foi lançado o documentário “Jean-Michel
Basquiat: The Radiant Child”, um trabalho que
valorizou o previamente conhecido e revelou novas facetas, consumadas por
entrevistas utilizadas no mesmo; e que se intitula de “The Radiant Child” após
uma menção numa revista, que fez perdurar tal alcunha para o artista.
No
coração da cidade de Nova Iorque, onde o norte-americano arrecadou toda a fama
do seu trabalho, situa-se, também, a sua antiga residência e estúdio, que é
reconhecida, nos dias de hoje, através de uma placa assinaladora do passado
daquele espaço. De igual forma, não cessou de surgir como um ícone dessa
expressão cultural, com as suas pinturas a ainda darem lugar a uma produção
numerosa de peças de roupa, e que incorporam as coleções de arte de vários
nomes sonantes da atualidade, como Johnny
Depp ou do cantor Jay-Z,
também ele inspirado por Basquiat nas suas músicas, e da cantora Madonna,
ex-namorada do artista. Para além disso, ainda recolhe o apreço do também
ator Leonardo Di Caprio, e do rapper A$AP Rocky,
entre outros nomes de destaque da indústria cinematográfica e da indústria
musical. A sua rentabilidade chegou à Reebok, conceituada marca de roupa, que,
em 2009, produziu e vendeu, com a liberdade de direção criativa do rapper Swizz Beatz,
uma coleção com vários dos seus trabalhos artísticos nas peças constituintes.
Este chegaria a ser comparado ao próprio autor das obras, pela paixão e devoção
que incutia nos seus trabalhos musicais, catapultando-se numa juventude
calorosa e ativa. À imagem da Reebok, também a Supreme (2013) e a Uniqlo (2016)
desenvolveram coleções desse tipo.
Aliás,
é precisamente na música que surge como referência assídua, em especial no rap
norte-americano, inspiração para muito dos mais experientes e dos emergentes
músicos do género. Com grandes raízes nos subúrbios das grandes cidades do país,
em especial no seio das camadas historicamente segregadas, esta música conhece,
na figura refulgente e garrida de Basquiat, um esteio da sua afirmação, capaz
de os promover a palcos nunca antes equacionados. Grande parte do seu trabalho
seria, desta feita, corroborado por grupos emergentes, como os N.W.A. e
os Public Enemy.
Nesta
orla de inspiração, pontificaram os graffitis efetuados no início da carreira
do artista, com a célebre referência SAMO – concebida como aquilo que era “Same
Old” – ao lado do amigo Al
Diaz, consagrando os primeiros traços de
contestação ao status quo social. Esta oposição ao sistema também serviu de
mote para outros artistas urbanos, que se cruzam e cruzaram com rappers, no que
toca às preocupações e necessidades de expressão. Aliás, o próprio trabalho
musical de Basquiat serviu para comungar algo mais desses dois mundos, em
especial “Beat Bop” (1983), do qual foi produtor musical e da capa do
trabalho, reunindo o apreço dos futuros Beastie
Boys e Cypress Hill.
Postumamente,
já no século XXI, seria nomeado em várias músicas de referências do rap, tais
como Mobb Deep (“Havoc”, 2001), Jay-Z (“Grammy
Family Freestyle”, 2006, que faz menção à obra “Charles The First”
(1982), “Ain’t I”, 2008, e, com Kanye
West, “Illest Motherfucker Alive”,
“That’s My Bitch”, 2011, e o videoclip de “4:44”, de 2017), Nas (“Land of Promise”, 2010), Busta Rhymes (“MTV
Cribs”, 2012). O álbum “Love Lockdown” (2008), de Kanye West, conforme o próprio
apontou, em especial a música homónima, recebeu várias influências visuais e
sensoriais daquilo que foi o trabalho do artista. Rick Ross,
numa das suas inúmeras tatuagens, tem, na sua coxa, um retrato deste,
valorizando a sua identidade artística. O documentário “Downtown 81”
(2001), da direção de Steve Brown, e que retrata a subcultura de Manhattan, na qual
nasceu e se ambientou Basquiat, transporta uma parecença física entre este
e Kid Cudi, usando segmentos em que o primeiro apareça ao som
de “Ghost”,
canção do segundo. Um dos trabalhos mais recorrentemente usados, para uso em
artigos e álbuns, seria o famoso poster que protagoniza com Andy Warhol, numa
espécie de promoção de um combate de boxe entre ambos, datado de 1985, e usado
na antecipação do documentário de 2012, supramencionado.
Em
leilões da especialidade, os trabalhos mais incipientes do pintor não deixam de
ser arrebatados por quantias exorbitantes, ultrapassando os 100 milhões de
dólares. Uma das promoções destes leilões, feita pela Christie’s, contou com o
testemunho do músico Macklemore, que não escondeu a pureza que sentia nas criações
dele. Os museus nova-iorquinos, para além de eventuais outros de origem
norte-americana, e até outros internacionais, permanecem como grandes dínamos
promotores da arte de Basquiat, exibindo diferentes trabalhos da sua autoria.
Em 2005, no Brooklyn Museum, a voz do músico Wyclef Jean, membro dos The
Fugees, foi a responsável por uma visita
auditiva naquilo que foi uma das retrospetivas do trabalho do pintor, lendo
entrevistas e poemas através da pronúncia haitiana que partilhava com ele. Esta
fama conquistada conduziu a uma reinterpretação do ser artista, agora imbuído
de um espírito de estrela, sobre quem caíam as maiores graças e atenções.
Socialmente,
a arte de Basquiat permitiu inspirar a fundação de alguns movimentos de cariz
social, como o Black Lives Matter, fundada nas redes sociais após o assassinato de
dois jovens afroamericanos por parte das forças de segurança pública
norte-americanas. Este grupo, a partir das expressões artísticas e culturais de
raiz marcadamente suburbana, permanece a bater-se contra a gentrificação e a
própria apropriação cultural, opondo-se à acomodação numa espécie de
contracultura corporativa. Na essência, porém, ainda se confronta com os
resquícios de uma sociedade profundamente racista, mas que, nominalmente, ainda
faz subsistir algumas das suas premissas, principalmente na própria ação
policial. Isto resulta da própria aclaração que Basquiat procurou efetuar
quanto ao passado racial, que se repercute no seu presente e futuro artísticos,
que chega aos dias de hoje com os supramencionados desafios.
No que toca àquilo que são os valores
transmitidos pelo artista, são vários os pintores, tanto de origem e de
plataforma urbanas ou não, que reforçam a sua criação totalmente espontânea,
possibilitadora de um canal de comunicação dos mais oprimidos. Extrapolando
para lá disso, também a própria capacidade de transformar e de transportar uma
faceta identitária, assente na diversidade e na igualdade das existências
dentro dessa primeira. Pelo meio, nunca esqueceu as suas origens
porto-riquenhas, porfiando sempre pela valorização da sua herança cultural,
numa das fragmentações atlânticas do território norte-americano.
Para além disso, a sua composição
artística nas várias paredes da sua cidade tornou-se perene com as técnicas de
graffiti que possuía, para além de demais materiais de recurso; e assumiu o
papel de primeiro grande artista afroamericano, incorporando a identidade
progressista norte-americana, no embate com os valores mais conservadores e
ferreamente iníquos. A sua irreverência revelou-se crucial naquilo que foi o
desabrochar da arte urbana, num diálogo intenso entre reflexões e emoções,
articulado nessa vontade de revelar e de metamorfosear. É assim que a
atualidade desta obra se consolida naquilo que são os desafios emergentes
quotidianos, respondendo com a afirmação das minorias outrora com vozes quase
inaudíveis nos palcos da discussão social. A construção de significados e a
devolução de outros tantos são a cadência presente desta estrela, que cedo caiu
no turbilhão do nosso mundo.
Apesar do seu tremendo potencial
criativo e conceptual, nem tudo foi rosas na valorização e iminente inspiração
de Jean-Michel Basquiat. Considerado como um artista menor no contexto da
crítica artística, foi a partir dos mais interessados e impulsionados pelas
causas sociais, para além das expressões mais identitárias das minorias e dos
subgrupos, que conhece um póstumo catapultar. A sua inspiração, ultrapassando a
própria materialidade, remanesce nos ecos de luz e de som de hoje, à escala da
amplitude de uma carismática personalidade, que soube fazer e ser hino para a
igualdade justa e expressiva da humanidade.