Após 20 anos de pesquisas, Leonilson ganha catálogo com 1.100 páginas
Obras do artista estão em mostra em Fortaleza, na Art Basel, na Suíça, e vão para NY
RIO — Em seus 36 anos de vida, Leonilson manteve
uma produção intensa, numa grande variedade de técnicas e suportes, como
pintura, colagem, desenhos e bordados, que resultou em mais de três mil obras
marcadas por um caráter profundamente pessoal. Nas palavras da irmã Ana Lenice
Dias Fonseca da Silva, presidente do projeto que leva o nome do artista,
fundado em São Paulo em 1994, a produtividade vinha de uma necessidade quase
compulsiva de criar, que o levava a virar noites para terminar uma série de
desenhos ou um novo bordado. Toda essa produção está reunida finalmente em um
catálogo raisonné, projeto iniciado em 1996 e que será lançado no dia 30 de
junho, na exposição dedicada ao cearense no Espaço Cultural Unifor, em
Fortaleza. Em setembro, a publicação será lançada em uma mostra no Americas
Society, em Nova York. Por agora, a obra do artista, morto em 1993 em
decorrência da Aids, está em destaque na Art Basel, uma das principais feiras de
arte do mundo, na Suíça, onde a Galeria Marilia Razuk, de São Paulo, expõe dez
de seus trabalhos.
— A sensação que o Leonilson nos
passava era a de que ele via a criação como um alimento, muito mais do que uma
forma de posteridade. Quando já estava doente e ia para o hospital para fazer
transfusão de sangue, ele nos pedia para levar cadernos para desenhar. Produzir
era algo tão importante para a sua sobrevivência quanto os medicamentos —
lembra Ana Lenice, para quem o traço pessoal das obras do irmão garante sua
atualidade. — Ele colocava em seus trabalhos coisas que a gente quer dizer e
não consegue. Até hoje vejo jovens emocionados com a sua obra, essa ligação
permanece.
Ana Lenice assina a curadoria do
catálogo com a filha, Gabriela Dias, coordenadora do Projeto Leonilson, e com
Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário, no Rio. Com 1.100 páginas e
3.400 obras, a publicação é dividida em três volumes, em ordem cronológica, e
traz a produção de Leonilson nos anos 1970, 1980 e 1990. A pesquisa, iniciada
há mais de 20 anos, identificou trabalhos que foram vendidos ou doados pelo
artista ainda em vida, além do acervo do projeto. A partir do levantamento,
Resende organizou a exposição “Leonilson: arquivo e memória vivos”, em cartaz
no Ceará até 7 de julho e já visitada por mais de 58 mil pessoas desde março.
CATÁLOGO REÚNE OBRAS DO PINTOR CEARENSE LEONILSON
Pintura "O inconformado",
de 1987. A obra está presente no catálogo raisoneé que será lançado no fim do
mêsFoto: Rubens Chiri / Rubens Chiri
"Capaz capaz", de 1983, de
Leonilson. A obra está presente no catálogo raisoneé que será lançado no fim do
mêsFoto: Eduardo Ortega / Divulgação
Pintura "Leo não consegue mudar
o mundo", de 1989. A obra está presente no catálogo raisoneé que será
lançado no fim do mêsFoto: Romulo
Fialdini / Romulo
"Pescador de Pérola", de
1991. Bordado sobre voile. A obra está exposta na feira Art Basel, na SuíçaFoto: Rubens Chiri / Divulgação
Catálogo raisonné do pintor de
Leonilson. O livro traz cerca de 3.400 obras e será lançado no fim do mêsFoto: Divulgação / Divulgação
Obra sem título, de 1988, aquarela
sobre papel. O quadro está exposto na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
Obra sem título, de 1991. Bordado e
pintura sobre voile. A obra está exposta na feira Art Basel, na SuíçaFoto: Rubens Chiri / Divulgação
"2 rapazes na guerra", de
1989, acrílica sobre tela. A obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
"El Puerto", de 1992.
Bordado sobre algodão e espelho do pintor, desenhista e escultor Leonilson. A
obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
"Bandeira verde", de 1991.
Acrílica sobre tela costurada do pintor, desenhista e escultor Leonilson. A
obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
Nascido em 1957, o artista plástico
tem 120 obras reunidas em exposição em Fortaleza, onde seu catálogo será
lançado
— A proposta para as 120 obras expostas
em Fortaleza foi reunir trabalhos pouco vistos, que foram doados por Leonilson
ou comprados diretamente em seu ateliê. A pesquisa para o catálogo indicou o
paradeiro de muitas dessas obras, que formam um panorama diverso de sua
criação, mostrando Leonilson como o artista único que ele era — destaca
Resende.
A família negocia a ida da exposição
para outras capitais, como Rio, São Paulo e Porto Alegre, enquanto prepara a
mudança do acervo para uma outra casa na capital paulista, em Vila Mariana,
onde as obras ganhariam um espaço expositivo maior. Presentes no acervo de
importantes instituições internacionais, como o MoMA, em Nova York, o Centro
Pompidou, de Paris, e a Tate Modern, em Londres, as obras de Leonilson ganham
novos admiradores no estande da Galeria Marilia Razuk na Art Basel, aberta
ontem para convidados e de amanhã a domingo ao público em geral.
— Trouxe para Basel obras realizadas
entre 1989 e 1993, e elas têm despertado muito interesse entre colecionadores e
representantes de instituições — conta Marilia Razuk, por telefone, da Suíça. —
As obras conquistam de imediato quem passa pela galeria. Muita gente que tem
uma ideia preconcebida da arte brasileira e latino-americana se surpreende, as
questões abordadas nas obras são as mesmas que muitos jovens artistas trabalham
hoje.
A atualidade da obra de Leonilson é
destacada também por Gabriela Rangel, diretora e curadora de Artes Visuais da
Americas Society, que organiza uma exposição do artista em setembro, com obras
de instituições como o MoMA, o Los Angeles County Museum of Art e o Masp, além
do acervo da família e de colecionadores.
— Cecilia Brunson, que dirige uma
galeria em Londres e faz projetos independentes de curadoria, propôs a
exposição, mas já estávamos atentos à sua obra. Diria sem hesitação que sua
apropriação poética da arte popular brasileira e do artesanato vernacular, bem
como seu diálogo com Bispo de Rosário e Antonio Dias, são únicos na América
Latina — frisa Gabriela.
Para além de toda a obra reunida no
catálogo, Leonilson deixou uma vasta produção textual, além de agendas que
guardam várias de suas interferências gráficas, ressaltando o caráter
autobiográfico de sua obra.
— Às vezes as agendas e os desenhos
guardados por Leonilson são expostos em vitrines, em meio às mostras, mas esse
material permanece praticamente inédito. Isso daria um volume específico, não
daria para incluir no catálogo. É um universo infinito de descobertas — conclui
Ana Lenice.