Exposição investiga cerne da arquitetura
“Sem a varanda dos meus pais, eu não estaria aqui. Eles moravam no quinto andar de um prédio de habitação social. Nascido nos últimos meses da [2ª] Guerra, num inverno frio, embora ensolarado, quando tudo o que podia queimar já tinha sido queimado, fui exposto ao sol em todos os momentos possíveis, para absorver o calor.”
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A reminiscência, inesperadamente pessoal, abre um texto entregue aos visitantes da 14ª Bienal de Arquitetura de Veneza, inaugurada no início de junho. Seu autor é o diretor e curador da mostra, Rem Koolhaas. Desse ponto de partida até o final das mais de uma centena de salas expositivas que se distribuem entre o complexo do Arsenale e os pavilhões dos Giardini da cidade italiana, o Pritzker holandês e titular do escritório OMA embarca num tour de force em que tenta convencer seus espectadores sobre quem são os verdadeiros protagonistas daquilo que entendemos por arquitetura. Uma dica: não são os arquitetos.
A resposta está naquela varanda da casa onde ele veio ao mundo. E nos outros 14 itens que o curador define serem a essência “de qualquer edifício, em qualquer época”: o piso, a parede, o teto, o telhado, a porta, a janela, a fachada, a escada, o elevador, a escada rolante, a rampa, o corredor, o banheiro, a lareira. Elementos da Arquitetura, a exposição central desta bienal, dedica uma sala para cada um desses temas, destrinchando a história, o significado e as revoluções provocadas por cada um deles na vida humana na Terra.
A sensação é a de caminhar por dentro das páginas de um livro cujas ilustrações pularam para fora do papel e se materializaram diante do leitor. Fragmentos de paredes de diferentes épocas, reproduções de telhados asiáticos milenares e até uma histórica coleção de janelas abordam com profundidade o assunto de cada capítulo, criando a ideia de que a arquitetura, hoje, consiste, acima de tudo, em combinações e colagens desses diversos elementos. E é a partir deles – coisas reais, palpáveis ecompreensíveis por todos – que devemos discutir o que queremos dessa área daqui para frente.
“Eu quis fazer uma bienal que não falasse do estado atual da arquitetura nem enfatizasse o que os arquitetos estão fazendo agora”, declarou Koolhaas aos jornalistas presentes à abertura do evento. Negar a produção contemporânea e olhar para o passado também foi um pedido feito aos 65 países participantes da mostra em seus pavilhões individuais. Sob o título Absorvendo a Modernidade 1914-2014, cada nação mostrou de que forma atravessou a “modernização forçada” do último século, segundo o holandês.
Infelizmente,muitos dos países responderam ao briefing com exposições historiográficas sobre seus experimentos modernistas nestes cem anos, à maneira de verbetes de enciclopédia. Foi o que fez, por exemplo, o Brasil, ainda que, no nosso caso, fosse difícil inventar algo diferente, uma vez que, pelo menos na arquitetura, o país escolheu ser moderno, algo que não ocorreu em outras áreas e instituições – e que merece, sim, ser valorizado.
A sensação é a de caminhar por dentro das páginas de um livro cujas ilustrações pularam para fora do papel e se materializaram diante do leitor. Fragmentos de paredes de diferentes épocas, reproduções de telhados asiáticos milenares e até uma histórica coleção de janelas abordam com profundidade o assunto de cada capítulo, criando a ideia de que a arquitetura, hoje, consiste, acima de tudo, em combinações e colagens desses diversos elementos. E é a partir deles – coisas reais, palpáveis ecompreensíveis por todos – que devemos discutir o que queremos dessa área daqui para frente.
“Eu quis fazer uma bienal que não falasse do estado atual da arquitetura nem enfatizasse o que os arquitetos estão fazendo agora”, declarou Koolhaas aos jornalistas presentes à abertura do evento. Negar a produção contemporânea e olhar para o passado também foi um pedido feito aos 65 países participantes da mostra em seus pavilhões individuais. Sob o título Absorvendo a Modernidade 1914-2014, cada nação mostrou de que forma atravessou a “modernização forçada” do último século, segundo o holandês.
Infelizmente,muitos dos países responderam ao briefing com exposições historiográficas sobre seus experimentos modernistas nestes cem anos, à maneira de verbetes de enciclopédia. Foi o que fez, por exemplo, o Brasil, ainda que, no nosso caso, fosse difícil inventar algo diferente, uma vez que, pelo menos na arquitetura, o país escolheu ser moderno, algo que não ocorreu em outras áreas e instituições – e que merece, sim, ser valorizado.
No geral, os espaços nacionais serviram para reforçar a tese de Koolhaas, da arquitetura acima dos arquitetos. “Uma das conclusões irônicas é que, a julgar pelos 65 pavilhões, nenhum grande arquiteto teve papel importante no século passado. Não há sequer um que fale do Mies [van der Rohe], do Le Corbusier ou de ninguém mais”, afirma ele.
O discurso é compreensível. Com as duas exibições e mais uma terceira, chamadaMonditalia, que investiga as particularidades da cultura italiana como um todo, Koolhaas tenta inserir sua atividade num contexto maior, político, econômico e social, tirando a profissão de um certo isolamento em que muitas vezes ela se vê metida.
Embora atinja o objetivo, quem vai a Veneza sai com a impressão de que as questões técnicas, muito mais do que as ideias de qualquer profissional, determinam os rumos daarquitetura. Se parece faltar inspiração, mitologia e poesia à bienal de Koolhaas, é porque, para ele, foi essa busca pelo que é “apenas” poético que levou os arquitetos a perderem relevância no plano geral das coisas. Pode ser.
Menos mal que, para aqueles que ainda se importam com o belo, essa bienal viu um bom número de instalações e exposições de arte paralelas espalhadas pela cidade. Destaque para
as colunas douradas de Heinz Mack e para a casa de chá envidraçada de Hiroshi Sugimoto, ambas na Ilha de San Giorgio Maggiore, bancadas pela Fundação Giorgio Cini. E houve ainda Veneza em si, esse lugar que insiste em lembrar a todos que um pouco de estética não faz mal a ninguém. Até 23 de novembro; www.labiennale.org.
* Matéria publicada em Casa Vogue #347 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)
O discurso é compreensível. Com as duas exibições e mais uma terceira, chamadaMonditalia, que investiga as particularidades da cultura italiana como um todo, Koolhaas tenta inserir sua atividade num contexto maior, político, econômico e social, tirando a profissão de um certo isolamento em que muitas vezes ela se vê metida.
Embora atinja o objetivo, quem vai a Veneza sai com a impressão de que as questões técnicas, muito mais do que as ideias de qualquer profissional, determinam os rumos daarquitetura. Se parece faltar inspiração, mitologia e poesia à bienal de Koolhaas, é porque, para ele, foi essa busca pelo que é “apenas” poético que levou os arquitetos a perderem relevância no plano geral das coisas. Pode ser.
Menos mal que, para aqueles que ainda se importam com o belo, essa bienal viu um bom número de instalações e exposições de arte paralelas espalhadas pela cidade. Destaque para
as colunas douradas de Heinz Mack e para a casa de chá envidraçada de Hiroshi Sugimoto, ambas na Ilha de San Giorgio Maggiore, bancadas pela Fundação Giorgio Cini. E houve ainda Veneza em si, esse lugar que insiste em lembrar a todos que um pouco de estética não faz mal a ninguém. Até 23 de novembro; www.labiennale.org.
* Matéria publicada em Casa Vogue #347 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)