Crítico Paulo Herkenhoff ataca 'lobby' por Sergio Camargo
COMPARTILHADA DA FOLHA DE SÃO PAULO
Em seu mais novo livro, Paulo Herkenhoff quer desfazer o impacto do que chama de "mais poderoso lobby de arte instalado no Brasil desde o fenômeno Portinari".
Herkenhoff, um dos críticos e curadores mais respeitados do país, fala de um "boicote ativo" e "manobras de mercado" que entronizaram o escultor Sergio Camargo, morto em 1990, como detentor do "monopólio" na escultura abstrata do país.
Defendido por intelectuais numa "associação comercial escancarada entre a crítica e o mercado", Sergio Camargo, na opinião de Herkenhoff, conquistou uma unanimidade na história que ofuscou nomes mais brilhantes.
Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress | ||
No caso, Ascânio Maria Martins Monteiro, o Ascânio MMM, 71, teria sido a maior vítima do conluio de críticos e galeristas e uma das maiores influências por trás de Camargo, embora fosse mais jovem e ainda esteja vivo.
Tanto Camargo quanto Ascânio se firmaram como escultores construtivos, de obras geométricas abstratas e quase sempre brancas.
Enquanto Camargo usou mármore e madeira em relevos abstratos, Ascânio explorou uma gama maior de materiais e se identifica com a tradição modernista na arquitetura, tendo como influência as casas que observou na infância ainda em Portugal.
Em muitos pontos, as obras dos dois artistas que despontaram nos anos 1960 se assemelham. Mas há uma diferença brutal. Peças de Camargo, em alta no mercado ao longo das últimas décadas, hoje valem entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. Obras de Ascânio não passam dos R$ 200 mil.
"Houve uma manobra para isolar o Ascânio. Isso é cruel e iníquo", diz Herkenhoff àFolha. "A história de Sergio Camargo é uma crônica do poder do mercado."
Nas pouco mais de 400 páginas de "Ascânio MMM: Poética da Razão", Herkenhoff tenta provar como Ascânio, na verdade, influenciou Camargo, e não o contrário.
"Foi o contato com a obra de Ascânio que deve ter dado a Camargo as soluções para o impasse de seus relevos", escreve o crítico, que ataca Camargo como um artista de preocupações "decorativas".
Em seu ensaio, Herkenhoff também desanca o que chama de falso "precedente Camargo" e a "indevida 'vantagem'" histórica do artista, que teria funcionado como um "álibi para escamotear como ele seguiu a moda dos relevos brancos na Europa".
Isso se sustentou, segundo o crítico, por uma "afasia histórica". "É um silêncio estratégico que sustenta delírios críticos que recalcam os que possam expor a adesão de Camargo a modas, sua lentidão em entender o processo construtivo e suas influências."
Enquanto Camargo era amigo de críticos influentes como Mário Pedrosa e circulava no "jet-set" das artes visuais, Ascânio era um imigrante recém-chegado ao Rio.
"Na época, eu reagia de forma tímida", lembra Ascânio. "Eu era um jovem escultor, e o Sergio Camargo era um grande nome. Muitos outros artistas foram marginalizados, mas era evidente essa coisa do Camargo e seu monopólio da obra branca."
Essa não é a primeira vez que Herkenhoff ataca Camargo e tenta rever a história do artista. Há mais de dez anos, num livro que escreveu sobre a coleção de Sérgio Fadel, o autor já desbancava a primazia de Camargo na escultura.
Mas essa é uma batalha solitária. Na opinião de críticos e agentes de mercado ouvidos pela Folha, Herkenhoff exagera ao dizer que o sucesso de Camargo se deve a um suposto lobby da crítica.
"O mercado é o grande senhor que vai dizer o que é bom e o que é ruim", diz Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, maior casa de leilões do país. "Sergio Camargo nunca usou lobby para se impor, nunca empurrou sua obra goela abaixo de ninguém."
Frederico Morais, crítico que escreveu sobre Camargo e Ascânio, julga equivocada a colocação de Herkenhoff.
"Há um fosso entre eles", diz Morais. "Não vejo essa inversão cronológica. Um deles chegou muito mais tarde, então não haveria tempo de um influenciar o outro."
'POLÊMICA VAZIA'
Maria Camargo, filha do artista, disse não querer entrar numa "polêmica vazia", mas afirmou que seu pai "nunca precisou fazer marketing nem tirar nenhuma vantagem histórica". "São dois escultores fazendo seu trabalho", diz Camargo. "A obra do meu pai é maior do que isso e creio que a obra de Ascânio não precisa disso." (SILAS MARTÍ)