quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vicente Todoli vai deixar Tate Modern no verão.

Museus se tornaram mastodontes, quando o certo é virar veleiro', diz ex-diretor da Tate

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SILAS MARTÍ - Compartilhada da Folha de São Paulo.

Uma visão conceito arquitetônico do novo edifício na Tate Modern a partir do sul

Depois de 7 anos à frente da Tate Modern, em Londres, e um dos maiores responsáveis por modernizar a disposição do acervo do museu e atrair até 5 milhões de visitantes por ano às mostras do endereço britânico, Vicente Todolí cansou. Foi cultivar azeitonas na Espanha, onde nasceu, e se desligou do mundo da arte por um tempo.
Agora, Todolí, que também já dirigiu o Museu Serralves, no Porto, e o Museu Valenciano de Arte Moderna, em Valencia, na Espanha, volta à cena artística com um projeto tão grande quanto os 15 mil metros quadrados do Hangar Bicocca, centro cultural em Milão que terá o espanhol como diretor artístico para a próxima temporada.
Na agenda, além da enorme retrospectiva dedicada ao norte-americano Mike Kelley agora em cartaz, estão mostras de Dieter Roth, Ragnar Kjanrtansson, Juan Muñoz e do brasileiro Cildo Meireles, que terá remontadas no espaço suas maiores instalações até hoje, como "Através", "Desvio para o Vermelho" e "Abajur", a obra que montou na Bienal de São Paulo há três anos que usava homens de verdade como tração para girar uma enorme escultura.
Folha - Como foi dirigir a Tate Modern? Por que decidiu sair e se desligar por um tempo do mundo da arte?
Vicente Todolí - Foram sete anos de trabalho, e quando cheguei lá achei que já tinha dado o máximo. Esse é meu ciclo, nunca mais de sete anos num projeto. Gosto quando acredito que consigo concluir o projeto sem saber muito bem como vou fazer. Só sei que nunca mais na vida quero dirigir um museu. Na Tate, havia muitos dias em que me dava conta de nem ter falado de arte. Não quero mais gerenciar as coisas. Quero ser uma espécie de editor, ter um compromisso só com a arte e o público.
Uma foto de um homem em uma capa de chuva dentro de uma grande galeria
Vicente Todoli (acima) vai deixar Tate Modern no verão. © Pablo Goikoetxea
Como aceitou então a ideia de cuidar da programação do Hangar Bicocca?
Quando me ofereceram a direção do Hangar, eu recusei. Disse que não queria dirigir mais nada, que me interessava trabalhar 100% com arte e nada do que esteja ao redor dela.
Você já disse antes estar cansado do mundo arte. Como você define o mundo da arte?
Eu penso da seguinte forma: Se a arte é o sol, ao redor dela estão os planetas em círculos concêntricos. Muito perto da arte, estão as galerias, os museus, alguns mais perto outros mais longe, curadores e afins. Bem longe está a parte social, os vernissages, as aberturas de bienal e toda a fofoca. Tudo que tem a ver com ouvir e não ver é um murmúrio constante que me cansa e me impede de dedicar meu tempo e atenção à arte. Aqui há patrocinador e outros gerentes para cuidar de tudo, não tenho que arrecadar verbas, não me envolvo com a vida social. Isso me permite concentrar só na arte.
Mas você saiu da Tate Modern e agora veio para um lugar ainda maior. Como pretende ocupar esse espaço?
Aqui é diferente da sala das turbinas. Aquela sala, aliás, nem era boa para exposições. Aquilo era bom para obras site-specific, mas quando tentávamos fazer exposições da coleção ali era muito difícil. O espaço aqui é mais alto, sem interrupções. Quero fazer exposições para este espaço sem obstruções. Só isso é um desafio. Não teremos aqui arquitetura dentro da arquitetura, e a arquitetura também não poderá ir contra a arte. Esse espaço tem sua própria história. Teremos exposições especiais aqui, que seriam impossíveis de fazer em outros museus.
No programa já anunciado estão remontagens de algumas obras clássicas de artistas como o Juan Muñoz e o Cildo Meireles. Esse também será um lugar para retrospectivas?
A obra mais importante de Juan Muñoz foi a instalação "Double Bind", que ele montou na Tate Modern. Na Tate, eu não trabalhei nessa exposição. Mas aqui vamos reinstalar "Double Bind". O espaço não é igual, mas o espírito será o mesmo. E, em volta dessa obra, teremos grupos de esculturas e peças de chão. Em 2014, terão se passado 14 anos desde a primeira montagem. Isso será para a geração que não viu o original, além de uma oportunidade para ver obras que não tinham sido expostas junto dela.
Mas é importante lembrar que aqui não faremos reconstruções. Reinstalamos, não reconstruimos. Isso será só uma parte da exposição. Estou pensando não em reconstruir, mas reconstituir com sentido, pensar o que os artistas teriam feito se tivessem dez vezes mais espaço do que tiveram numa primeira ocasião. É a história vista a partir de agora. Eu sempre trabalhei com projetos históricos e contemporâneos, sempre mantive um equilíbrio. Para mim, é importante ter uma visão em 360 graus, olhar para todos os lados, para frente e para trás. Olhar só para trás ou só para a frente é muito pouco. A história é formada por tudo o que passou e o que também está acontecendo ainda. Se você se fecha, é como dirigir numa estrada sem retrovisor. Não gosto das estradas, prefiro as trilhas, os zigue-zagues. Uma pista expressa é rápida, mas não deixa apreciar a paisagem.
Sua mudança para Milão também implica sair de uma instituição pública e entrar na esfera privada. O que muda nessa nova dinâmica?
Isso serve para ser livre. Numa instituição pública, olham cada vez mais para números e vendas de ingressos. Com essa pressão, era difícil apresentar artistas menos conhecidos. E muita energia se gasta só na tentativa de assegurar recursos financeiros. Na Tate, eu tentava ter um equilíbrio. O problema é quando esse equilíbrio se perde e o museu passa a se pautar só pelos números.
É nessa hora que o museu perde sentido e se transforma em instituição financeira, copiando a linguagem e modelos do mundo dos negócios. Falam em concorrência e se referem a exposições como "produtos". Esse mundo não me interessa. O perigo que ronda as instituições de arte é usar a arte para atingir metas financeiras ou numéricas. Aqui me dão liberdade absoluta, talvez essa seja mesmo a saída. São instituições privadas hoje que podem bancar esse modelo, já que tem objetivos de longo prazo, abrindo caminhos. Muitos museus se tornaram mastodontes burocráticos, enquanto o certo seria reduzir, voltar ao modelo de um barco a vela, mais ágil.