Hélio Leites, artista: o significador de insignificâncias
Compartilhado do blog leite quente / Créditos: Blog Curitibaneando
26SundayMay 2013
Enquanto conversava, ele enrolava os fios de cabelo branco entre os dedos. No peito levava, pendurado em um cordão, um sino, para, segundo ele, poder badalar por Curitiba, uma vez que “sua gente adora uma badalação”.
Dafne Salvador
Hélio Leites é paranaense, nascido na Lapa em 1951. Artista curitibano, que ocupa praças e feiras da cidade divulgando sua arte em materiais inusitados como caixa de fósforos, latas, botões e outros objetos pequenos. Leites aproveita o que parece não ter mais utilidade para reproduzir, em pequenas escalas, cenas do cotidiano. Recentemente, começou a pintar quadros e a fazer poesia.
O jeito de falar lembra os estereótipos dos filmes que contam histórias dos que buscam revoluções. Contar que foi colega dos poetas Paulo Leminski e Helena Kolody – a quem chama de Santa Helena – ajuda a entender sua filosofia de trabalho, traduzida por Leminski em um dos títulos de seus textos: “O significador de insignificâncias”.
A crítica de arte, Adalice Araújo, no Dicionário de Artes Plástica do Paraná, de sua autoria, afirma que “pela primeira vez na história da Arte Brasileira um artista consegue propor uma pop art nacional e paranista. Sem copiar os estereótipos do primeiro mundo. Suas obras superam a atitude lúdica para serem icônicas e inquisitivas e, com suas aparentes brincadeiras, fazem sérios questionamentos filosóficos e culturais”.
Antes de se tornar artista, Leites, que se formou em economia, trabalhou 26 anos em um banco. Hoje é artista formado pela Faculdade de Belas Artes do Paraná, criador da Associação Internacional dos Colecionadores de Botão (Assintão), secretário geral do Fiu Fiu Sport Club, diretor de Harmonia do Unidos do Botão, coordenador da Campanha Mundial Anti-taxidermismo, secretário geral da Associação Internacional dos Kinderovistas, curador dos museus dos Óculos, da Caixa de Fósforos, do Lápis e do Mini Presépio.
DAFNE SALVADOR — O que lhe trouxe a Curitiba?
HÉLIO LEITES — Dei uma volta ao mundo antes de chegar aqui. Morei em várias cidades do Brasil. Por questões de trabalho, no banco, fui transferido várias vezes, até chegar a Curitiba.
DS — Como a arte entrou em sua vida?
HL — Quando era pequeno uma professora despertou a arte em mim. Ela pegou uma bola de barro e transformou em uma caneca. Essa bola de barro que virou caneca ficou na minha memória por 43 anos, quando eu descobri que eu podia repetir o que ela havia me ensinado: transformar uma coisa a que ninguém dava valor em algo especial.
DS — Com formação em economia e depois de 26 anos de carreira em um banco, o que lhe fez mudar de rumo e trabalhar com arte?
HL — Sou um idiota. Não tinha ideia do que eu podia ser quando escolhi fazer economia e não havia escola de artes onde eu morava. Eu precisei fazer algo que as faculdades ofereciam, foi aí que eu optei por economia.Desde que comecei a trabalhar sempre, em paralelo, lidava com a arte, mas só segui esse caminho depois que o banco resolveu me mandar embora. Eu não ia pedir para sair, não sou louco né? Depois de 26 anos carimbando cheques, de pessoas que eu não conhecia, achei que Deus tinha reservado uma coisa melhor para mim. O maior desempregado é aquele que tem um emprego que não lhe faz feliz.
DS — Da pra viver de arte?
HL — Eu sou aposentado. De arte ninguém vive. Quando fiquei desempregado, eu vivia correndo atrás de emprego, não importava o que a pessoa precisasse, eu fazia o que eles estavam pedindo.
DS — Como foi o início do trabalho artístico?
HL — Eu faço umas picaretagens, coisinhas pequenininhas, mas muito densas. Todas elas têm uma ideia. Comecei a trabalhar muito com botões, que é algo pequeno, mas que tem uma função muito grande. Pensei: o que é um botão? É um negócio pequeno, que a gente mexe várias vezes no dia, que está a um palmo do seu nariz e que a gente sequer sabe quantos furos têm. Se a gente não consegue entender isso, como a gente quer entender as coisas que estão em um quarteirão? Às vezes as pessoas dormem preocupadas com manchas solares que estão a milhões de quilômetros da Terra, ou seja, as pessoas ficam se preocupando só com o que estão longe e perdem o que está perto.
DS — E como surgem as ideias para seus trabalhos?
HL — A minha obra é feita com o que está jogado na frente da pessoa e que ela não dá importância: de um palito de sorvete eu tiro um passarinho, conto uma história dizendo que é um sinalizador de TPM e vendo por R$ 7,00. Vou à padaria e compro um quilo de pão. Então, eu não peguei um pedaço de palito e fiz um passarinho. Eu peguei um palito e fiz um quilo de pão, não foi? Esse é o milagre da “transtornação”.
Pego uma lata de sardinha, transformo no “Sermão dos Peixes” e tento vender por R$ 100,00. Depois que eu consigo vender a obra muda de nome e vira “O milagre”. Vai dizer que não é um milagre conseguir vender uma lata de sardinha, sem sardinha, por esse valor? Eu faço aquilo que a Santa Helena descreveu em um poema que fez pra mim: Eu conto a história do fogo dentro da caixa de fósforos.
Serviço
Contato com o artista: Caixa Postal 746. Ele afirma responder a todos os contatos.
Seu trabalho está exposto na Lilituc, uma vitrine que fica na Galeria Júlio Moraes, na r. José Bonifácio, atrás da Catedral de Curitiba e também é conhecida como “Galeria Subterrânea da Tiradentes”. Hélio também está todos os domingos na Feira do Largo da Ordem, no espaço 51.