sábado, 9 de março de 2013

O Engenheiro que Curitiba esqueceu ....


HISTÓRIA


Texto de André Rodrigues/ Gazeta do Povo
 André Rodrigues/ Gazeta do Povo / Zulmara Posse e Elizabeth Amorim na exposição sobre obra de Eduardo Chaves, no Memorial de CuritibaZulmara Posse e Elizabeth Amorim na exposição sobre obra de Eduardo Chaves, no Memorial de Curitiba
ARQUITETURA

O engenheiro que Curitiba esqueceu

Eduardo Chaves ergueu palacetes numa Curitiba dada a enchentes. Obra do construtor caiu no esquecimento, mas a hora do resgate chegou.
Durante a primeira metade do século 20, um engenheiro e arquiteto de nome Eduardo Fernando Chaves (1892-1944) ergueu em Curitiba casas, edifícios, vilas e igrejas transformados em cartões-postais. Levam sua assinatura o Castelo do Batel; a Vila Odette, no Alto da Glória; e o Palácio Garmatter – onde hoje está instalado o Museu Paranaense. São três exemplos em meio a pelo menos 220 endereços, boa parte cheios de pompa e circunstância.

“Bem morar”
Obras levam curitibanos para dentro de casas que sonharam entrar
A pesquisa de Elizabeth Amorim e Zulmara Posse nasce afinada com outros trabalhos ocupados de mostrar mudanças sociais que passaram pelas salas, quartos e cozinhas das moradias. Um exemplo é o livro Em Casa, de Bill Bryson, publicado ano passado no Brasil. A própria Elizabeth é uma expert no ramo – é autora de sete obras em que analisa a arquitetura de asilos e escolas.
Em As Virtudes do Bem Morar a autora e sua parceira conseguem algo mais. Levam o leitor para dentro de casas que os curitibanos sempre sonharam entrar – a exemplo da Vila Odette, no Alto da Glória –, e os aproxima da intimidade de Mirós e Guimarães. Ao mesmo tempo, revelam uma Curitiba que se encontrava com os tempos modernos, adotando medidas higienistas, planejando-se e assumindo o posto de cidade moderna. Separar os espaços de intimidade e os de sociabilidade era preciso.
A obra é farta em referências aos solavancos de um município em busca de melhores serviços de telefonia e transporte público. É em meio a esse esforço para se civilizar, no início do século passado, que mansões do porte da Vila Olga, obra de Eduardo Chaves para a grande família de Caetano Munhoz da Rocha, surgem como uma espécie de monumento à arte de morar bem.
As autoras fazem um pequeno tratado de sociologia urbana ao descrever as rotinas, o tamanho das famílias e o exército de criados. Percebe-se a convivência dos modos de vida europeus com enchentes, problemas graves de saúde pública e abastecimento. Vários entrevistados contam que viviam como que em chácaras, quase isolados, espécies de Vale do Loire nas barbas do Rio Belém. Da janela podiam ver uma cidade que ganhava forma, e na qual desejavam estar. (JCF)
Serviço
Exposição Arquitetando Curitiba na Década de 1930, com fotos, plantas de mapas relacionados a Eduardo Chaves. Memorial de Curitiba – Salão Paraná, 2.º andar (R. Claudino dos Santos, s/n.º). Até agosto de 2013.
Estima-se que Eduardo tenha calculado, desenhado e construído o dobro desse número. Apesar dos seus feitos profissionais superlativos, arrisca que mesmo o curitibano mais versado em arquitetura – aquele capaz de discorrer sobre Kirchgässner, Meister ou Artigas como se fossem figurinhas da Bala Zequinha – tenha pouco a dizer sobre Chaves. Ele é o mais ilustre dos desconhecidos.
A “história” começou a mudar faz pouco mais de três anos, quando a historiadora e arquiteta Elizabeth Amorim de Castro e a antropóloga Zulmara Posse decidiram pesquisar uma dezena de construções assinadas por Eduardo Chaves. Parecia simples, pelo menos até se depararem com uma monografia do próprio engenheiro na qual analisava 40 obras que tinha realizado na cidade. O projeto das pesquisadoras ficou quatro vezes maior.
Tempos depois, numa visita ao Arquivo Público Municipal, Beth e Zulmara encontraram outro grande lote de plantas de Chaves, o que fez a lista saltar para mais de duas centenas de edificações. Atiraram-se à papelada. A última prova de fogo veio quando um sobrinho de Chaves – que até então não tinha entrado em cena – falou de duas caixas de projetos guardados com a família. Não havia mais tempo. A essa altura, o livro As virtudes do bem morar (Ed. das autoras, 2012) já estava no prelo, acompanhado de uma exposição no Memorial de Curitiba e de um site.
“Apagamento”
Quando as tais caixas forem abertas, tudo indica que Eduardo Chaves vai ganhar um segundo volume. E, quem sabe, uma explicação para seu “apagamento” da memória local. É impressionante. Na exposição montada no Memorial, um grande mapa de Curitiba na década de 1930 mostra as ruas em que o engenheiro deixou algum trabalho. Parece não haver um quarteirão que não tenha sido tocado por ele. Mesmo assim, não é estudado, em parte porque os créditos de desenhistas e mesmo engenheiros, em tempos idos, eram tão raros quanto confusos.
As pesquisadoras, claro, têm lá suas hipóteses. O curso de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná é de 1962 e privilegiou desde o início a produção moderna, da qual, em tese, Eduardo Chaves não fez parte. Além do mais, construiu mansões para as elites mateiras, cafeeiras e para capitalistas do comércio, não raro aceitando fazer imitações de castelos europeus, prática que provoca urticárias nos puristas. Teria sido seu passaporte para o anonimato.
Residência Octavio Marcondes, na Avenida do Batel. Projeto arquitetônico de 1926Elizabeth Amorim

A pá de cal que faltava foi o status econômico de Chaves, que ao lado do irmão Gastão era um empreendedor agressivo, que amealhou fortuna à frente de uma verdadeira holding. A invenção de um incenerador doméstico de lixo, o “Cidel”, em 1943, por exemplo, engordou em muito sua conta bancária, reforçando a tese furada de que sucesso empresarial e capacidade criativa não podem frequentar a mesma mesa.
Boêmio, Chaves também era um visionário
Vitimizado por uma deformação na coluna, Eduardo Chaves era baixinho como um guri de 10 anos. Não se casou. Trabalhava como um operário, mas lhe restava tempo para frequentar os cafés boêmios da Rua XV, um Toulouse Lautrec das araucárias.
A originalidade do trabalho de Beth e Zulmara está em mostrar que se tratam de meias verdades. Chaves prestou serviços aos abonados, que encomendavam palacetes e bangalôs, mas também projetou casas de madeira e vilas operárias. Mais – atuava em sintonia com as concepções de planejamento urbano. E suas construções já antecipavam o modernismo, trazendo para a distante Curitiba uma ideia de casa para muito além de um abrigo em dias de chuva.
Palacete Lustosa, na Rua XV de Novembro esquina com Rua Barão do Rio Branco. Projeto arquitetônico de 1925. Edifício eclético, de uso misto. À direita, Edifício Carvalho Loureiro, projeto arquitetônico de 1940. Edifício de sete pavimentos, projetado e calculado por Eduardo Fernando Chaves, com linguagem modernista. São dois edifícios com linguagens diferentes e com apenas 15 anos de diferença entre ele. (Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)
As moradias de Chaves ofereciam áreas de sociabilidade, lazer, privacidade, iluminação, aconchego, entre outras virtudes. “Podiam ser rebuscadas e imitações, mas no interior se pode ver como ele projetou os espaços do bem viver”, ilustra Beth, sobre o impacto de ter criado suítes, banheiros internos e sistemas de água quente, o que indicava também uma revolução nos costumes. “Era um homem de seu tempo, conectado com o mundo. Um sujeito avançado, preocupado com o controle de epidemias, com a educação e com o futuro das cidades”, arremata Zulmara. Os depoimento de 22 moradores das edificações abastadas criadas pelo engenheiro confirmam as ditas da dupla Posse & Amorim. É, com folga, o momento mais cativante do livro. Em alguns casos, a memória é tudo o que sobrou – metade do que esse precursor criou já virou entulho, aumentando o pó sobre a personalidade que apresentou a cidade ao século 20.

Escritório e residência de Eduardo Fernando Chaves, na Rua Dr. Muricy (Elizabeth Amorim)