(GUILHERME AMOROZO) GAZETA DO POVO
A Belas precisa de um teto
Escola de Música e Belas Artes é um dos marcos da
cultura paranaense, mas há pelo menos 20 anos
mendiga lugar para se desenvolver como espaço
criativo
O descaso com a Escola de Música e Belas Artes do
Paraná (Embap) se tornou um solene exemplo de
desperdício de capital humano e cultural – infeliz
legado de nossa miséria. A “Belas”, como é
chamada, projeta o estado no campo da produção
artística desde 1948, ano de sua fundação. Modesta
no aparato, faz o Paraná dialogar com o mundo da
alta cultura. E, se parecer pouco, é bom lembrar que
a cultura elaborada faz parte da terceira maior fonte
de renda do mundo, a indústria do entretenimento.
Mais? Guido Viaro, Theodoro de Bona, Bento
Mossurunga... Difícil citar um standard da cultura
local que não tenha cruzado o portão torneado da
sede histórica, na Rua Emiliano Perneta, para lecionar
ou para estudar, quando não os dois. Sim, a Belas
tem tradição, desafiando as embalagens dessa nossa
era fugaz, líquida e presentificada.
Há argumentos a rodo para colocar a escola entre as
prioridades educacionais do Paraná. Mas... saliva
gasta. Contra todas as evidências, a Belas acumula
pelo menos duas décadas de agonia. Nesse tempo,
mendigou reparos na sede histórica – a reforma
meia-sola feita em 1995 não foi capaz de sanar as
dificuldades estruturais do prédio, nem de botar
cupins para correr –; sofreu contínuas ameaças de
fusão com a Faculdade de Artes do Paraná; e
experimentou os dissabores da vida de retirante. A
cada vez que o chão da sede histórica treme, a Belas
sobe no caminhão de mudança.
Ora, por mais brilhantes que sejam seus professores,
não há qualidade de ensino que resista a tamanha
instabilidade, ainda mais quando se está sujeito à
marcha lenta da burocracia. Beira o grotesco. Nos
anos em que a Belas pedia expansão – para atender
às novas demandas das linguagens artísticas –, teve
de se limitar a passar o chapéu, pedindo o mínimo:
um teto que não desabasse, um piso que não
afundasse. Um dos capítulos dessa crônica sinistra
se deu em 1993, quando uma chuva arruinou o forro
miserável de um edifício provisório, na Rua Trajano
Reis, para o qual a escola tinha sido recentemente
transferida. Virou motivo de chacota: jurava-se que a
sede da Emiliano cairia “em questão de horas”, mas
o que ruiu foi o puxadinho onde o governo, então,
desejou asilar a escola, perto do Cemitério Municipal.
Não tem sido muito diferente nos últimos tempos.
Em meio à falta de afeto oficial, é notável o apreço
dos alunos pela Belas. Em 20 anos de crise após
crise, parte dos pouco mais de mil alunos da
instituição não fica de bico calado. São antológicas as
manifestações na Rua Emiliano Perneta, as velas
acesas e as frases espirituosas escritas na fachada –
“crimes delicados” perto da situação a que gerações
inteiras estão sujeitas a cada vestibular. Infelizmente,
os estudantes podem pouco diante da politização da
escola, no sentido imoral da palavra. Qual outras
instituições públicas, a exemplo da UFPR, a Embap
mais de uma vez serviu de moedinha barata nos
labirintos do poder. De pouco adiantou. Ficou sempre
na rabeira, só vendo multiplicarem-se seus
problemas de “saneamento básico”. O Brasil, uma
pena, tem baixa prática de egressos em instituição
de ensino. Mas, se cada “ex” da Belas pusesse a
boca no trombone, o estado que cultivou a fachada
de “amor à cultura” veria ele o seu teto desabar. São
muitos os notáveis e famosos que cursaram a Belas
– de Juarez Machado a Denise Sartori, Eliane Prolik e
uma safra de paranaenses que brilham em
orquestras internacionais.
O atual momento é de esperança renovada. A
diretora Maria José Justino bate nas portas atrás de
uma sede que mereça esse nome. E a aproximação
do secretário de Educação Flávio Arns – propondo
contrapartida da Belas com as escolas estaduais –
soa como uma esperança. Mas alto lá. Mal não fará
aos colégios participar de intercâmbio com a mais
importante instituição artística do estado, desde que
fique claro que a Embap não é um centro de arte-
educação, mas de criação artística. Não se trata de
lhe arrumar uma utilidade para que possa existir, o
que parece ser uma perigosa mensagem subliminar,
mas de lhe garantir condições para experimentar
linguagens, atrair pesquisadores e talentos, como lhe
era de praxe. Esse é o maior contributo que pode dar
ao ensino.
Seria uma grande notícia se, ao fim de 2013, se
pudesse noticiar como um dos grandes feitos do ano
que a Belas ganhou sede espaçosa, bem instalada. E
que seu prédio histórico foi mantido como marco
urbano. Não custa sonhar, dizem todos os bordões
de réveillon. Que viva a Belas!