Retrospectiva em São Paulo e no Rio revisita
os momentos maracantes da trajetória da artista
carioca, que estudou no Parque da Lage
Texto
Adriano Pedrosa
Curador
Imagens
Daryan Dornelles
Vicente de Mello
“Histórias às margens” é a primeira exposição
panorâmica de Adriana Varejão, uma das
principais pintoras de sua geração. Seus
trabalhos resgatam e cruzam diferentes
histórias, tecendo múltiplas narrativas e
referências – da história da arte à arte religiosa,
da azulejaria à cerâmica, da China ao Brasil, da
iconografia colonial às imagens produzidas
pelos viajantes europeus e à arte acadêmica do
século XIX, da geometrização dos espaços
arquitetônicos à abstração geométrica e à grade
modernista, das paisagens e marinhas aos
mapas.
Nesse repertório híbrido e polifônico, um
elemento surge como motivo condutor,
atravessando toda a obra de Varejão: o corpo,
seja ele rasgado, cortado, dilacerado,
esquartejado, em fragmentos, em pedaços. O
corpo é revelado como pele e carne da pintura,
habitando os interiores da arquitetura e
descoberto em suas ruínas; é, por fim,
representado nas saunas por metonímia (a
figura de linguagem que representa um objeto
por meio de algo que está próximo dele).
Se o corpo é o tema recorrente da obra, seu
espírito é o barroco, cheio de curvas e dobras,
excessos e ornamentações, exuberância e
drama. Entretanto, o pensamento é mestiço –
não é à toa que, em seus autorretratos, Varejão
aparece como chinesa, moura e índia. Há,
sobretudo, uma preocupação em expor e
conectar histórias marginais, agregando
referências pessoais, literárias e ficcionais.
Nesse sentido, “história” pode referir-se à ficção
e não ficção, o que lança a pintura nos rumos
da literatura. As histórias marginais são aquelas
quase esquecidas ou colocadas de lado pela
história tradicional, histórias profundas ou
íntimas, mas também histórias contra a
corrente, contadas às margens, histórias pós-
coloniais, subalternas, histórias fora do centro,
histórias no Sul e, nesse sentido, ganham uma
dimensão política.
“Histórias às margens” reúne 41 obras, muitas
delas inéditas no Brasil, incluindo três trabalhos
novos feitos especialmente para o MAM, todos
distribuídos numa sucessão de dez salas. A
mostra foi organizada por um princípio
cronológico, iniciando em 1991. Entretanto, a
cronologia mais rígida é por vezes quebrada
para privilegiar articulações temáticas entre as
obras numa mesma sala. Como a primeira
exposição panorâmica de Varejão, a seleção
dos trabalhos foi pensada para oferecer os
melhores exemplos de todas as séries de
trabalhos que Varejão produziu – “Terra
incógnita”, “Proposta para uma catequese”,
“Acadêmicos”,“Irezumis”, “Línguas e incisões”,
“Ruínas de charque”, “Mares e azulejos”,
“Saunas” e “Pratos”.